Remindo o Tempo: Entre a Procrastinação e o Descanso em Cristo
- Maryssa Pereira
- 3 de jun.
- 5 min de leitura
Artigo escrito por Maryssa Pereira

“Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como sábios. Remindo o tempo porquanto os dias são maus” Efésios 5.16
Sinto que desde que virei adulta, o tempo tem passado muito mais rápido. A correria e as responsabilidades multiplicadas trouxeram consigo uma mudança na percepção de tempo: afinal, tenho as mesmas 24 horas que sempre tive. “Remir o tempo” ecoa na minha mente enquanto olho minha infindável lista de afazeres.
Da perspectiva humana, tempo foi corrompido pela queda; após a queda, ele teria um fim, seja pela morte ou a chegada do Dia Final. Remir o tempo é entender que o que temos à nossa disposição é o hoje. Somente ele nos foi concedido e por isso, precisamos fazer um bom uso. Ele é uma ferramenta, uma graça, uma dádiva concedida pelo Criador e precisamos usá-la visando a glória de Deus. É necessário sermos bons mordomos e não encontrados improdutivos no dispôr de nosso tempo.
Ser improdutivo é ser desobediente
No Éden, Deus incumbiu Adão de dominar sobre a criação. Ele devia nomear os animais, lavrar e desenvolver o mundo criado. Ele teria prazer ao obedecer essa ordem de Deus, não sentiria, enfado, não precisaria fazer hora extra e nem se esforçaria exageradamente, pois a terra lhe seria propícia. Após a queda, ela se tornou maldita, começa a produzir cardos e abrolhos, “do suor do rosto comerás o teu pão” (Gn 3.19). Nosso relacionamento com o trabalho foi corrompido e a rebeldia do homem o impeliu a rejeitar a obedecer a Deus no cumprimento daquilo que lhe foi ordenado — isso é o cerne do que é ser improdutivo. Disto provém a procrastinação.
Muitos anseiam pela aposentadoria, pelas férias, para que os filhos cresçam, como uma maneira de se livrar e combater o trabalho, não como a graça do descanso por causa dele. Nem sempre se nota que viver assim tira a alegria dos dias. Vive-se de férias em férias, de uma expectância de alegria somente futura, sem amor e satisfação pelo que acontece até esse futuro chegar. Desprezar o gozo do hoje é oposto de remir o tempo; afinal “este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Sl 118.24).
Descansar é ser obediente
"Desprezar o descanso deste lado da eternidade é o mesmo que não confiar na promessa que nosso descanso último virá e que é Deus que nos conduz até lá"
O outro lado da moeda é ser workaholic, confiar na força do próprio braço para multiplicar recursos, para manter a casa e a família em ordem, para fazer o seu ministério crescer. É viver submerso em seus trabalhos e por eles ser consumidos, sem confiar que é o Senhor que veste o lírio dos campos e tem cuidado de nós. O Senhor nos deu o sétimo dia para o nosso descanso, pois sabia de nossa necessidade física, mas também espiritual de descansar nele. Ele ordenou que o guardássemos na Antiga Aliança como uma sombra do descanso eterno que gozaremos na Nova Jerusalém. Desprezar o descanso deste lado da eternidade é o mesmo que não confiar na promessa que nosso descanso último virá e que é Deus que nos conduz até lá, não nós mesmos.
Não remir o tempo é pecar contra o próximo
Na Nova Aliança, a lei consiste em dois mandamentos: Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (Mt 22.37-39).
Há um aspecto do mau uso do tempo que se desdobra na quebra do último: não remir o tempo impõe sobre àqueles que nos relacionamos um jugo, uma sobrecarga que não lhes pertence.
Quando consideramos com mais cuidado, o atraso é mais do que desrespeitoso: é roubar do próximo um recurso que é irreparável, o seu tempo de vida; não terminar tarefas e projetos com frequência impõe que outro faça aquilo no seu lugar; procrastinar atrapalha o trabalho de outros que dependem de você.
Estas situações demonstram de falta de amor e evidenciam um senso superioridade do tempo de uma pessoa em detrimento da outra. É o oposto de sujeitar-se ao outro no temor de Cristo.
Há perdão
“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9)
A boa nova é que se nos arrependermos, temos um advogado junto a Deus-Pai, que intercede por nós, nos dá o seu perdão e nos capacita a abandonarmos nossos pecados. Se realmente cremos que Cristo vive em nós, temos que crer que temos poder, por causa do seu Espírito, para vencer toda tentação, inclusive as mais sutis. Ele também nos capacita para andarmos em suas boas obras, como no uso do tempo.
Planejar é preciso
O tempo vai passar para todos. Não podemos mudar o passado e nem andar ansiosos com o futuro. Como equilibramos o hoje e desfrutamos a vida com vigor, mas sem ser imprudente a respeito do futuro?
A resposta parece simples até demais: planejamento. E uma vez planejado, ter disciplina e consistência no pouco para alcançar os resultados maiores. Planejar é uma forma de lidar com o futuro sem o ignorar e sem o trazer integralmente para o presente (viver uma vida ansiosa). "Remir o tempo é resultado de sermos conscientes de nossa finitude e empregarmos uma alegre sabedoria no cuidado de cada dia. É andar de modo digno da vocação a que fomos chamados."
Pense bem:
Como é que se corre uma maratona? Começando com caminhadas e dia após dia aumentar o ritmo, passando a correr pequenas distâncias, maiores e depois ainda mais. Não se começa correndo 10 KM logo de cara. Começa-se com 15 minutos e 5 incrementais a cada dia.
Como se aprende a cozinhar? Picando alimentos e fazendo receitas mais simples primeiro.
Como criar um filho? Na consistência das atividades diárias, insistindo e repetindo as mesmas coisas. Eles não aprendem a falar, andar, comer, vestir-se, escrever do dia para a noite. É a repetição do ordinário que faz desenvolverem as habilidades.
Como se desenvolve na fé? Tendo momentos devocionais todos os dias. Tão pouco como 10 minutos por dia significará uma dedicação de boas 60 horas anuais para a fé.
Observe que em todas as situações, é necessário saber onde se quer chegar. Correr uma maratona. Cozinhar. Criar um filho. Crescer na fé. O tempo opera uma maravilhosa mágica para alcançar e multiplicar resultados. De uma semente se colhe muitos frutos, mas só ceifaremos aquilo que semearmos. Se olharmos os afazeres de hoje e neles empregarmos o nosso vigor como se fossem para Deus (porque são), colheremos resultados dignos dele. Se negligenciamos com as distrações seculares mais banais, que somente nos recompensam imediatamente, ao final de anos, pouco de valor teremos alcançado.
Remir o tempo é resultado de sermos conscientes de nossa finitude e empregarmos uma alegre sabedoria no cuidado de cada dia. É andar de modo digno da vocação a que fomos chamados. Sobre a Autoria
Este artigo foi escrito por Maryssa Pereira, que é crente, esposa e mãe. Graduada em Administração, atuou como empreendedora na área de serviços de tradução, tendo traduzido diversos livros teológicos. Atualmente, dedica-se à vida doméstica e se interessa por temas relacionados à vida cristã.
Comments